69🍃 Precisamos das tecnologias que ainda não conhecemos
O progresso não é sinónimo de acumulação de riqueza ou de capacidades tecnológicas, mas sim de uma procura contínua por um equilíbrio entre as necessidades humanas e os limites do nosso planeta.
O futuro da humanidade depende de uma reorientação profunda das prioridades do desenvolvimento tecnológico, privilegiando soluções que promovam o equilíbrio ecológico, a regeneração dos recursos e a inclusão social. Este paradigma, sustentado por inovação ética e governação inclusiva, propõe um modelo em que o progresso seja medido pelo grau de equilíbrio entre as necessidades humanas e os limites do planeta.
Para enfrentar os desafios globais atuais e futuros, é urgente que a humanidade altere profundamente as suas prioridades no desenvolvimento tecnológico. Historicamente, os avanços em tecnologias militares, especialmente em períodos de guerra, têm servido frequentemente como a principal fonte de inovação também para aplicações civis. No entanto, é lamentável que tanto capital intelectual e criatividade sejam direcionados para a criação de ferramentas de destruição. Em 2023, o investimento em I&D militar representou uma parte substancial dos 2,4 triliões (ou milhões de milhões) de dólares gastos globalmente em defesa, com os Estados Unidos a dedicarem mais de 800 mil milhões de dólares a despesas militares, dos quais cerca de 80 mil milhões foram para I&D militar1 Simultaneamente, países como a China e a Rússia continuaram a expandir os seus orçamentos de I&D militar, alimentando também a corrida aos armamentos.
A espécie humana é a única no planeta a investir tantos recursos e energia na criação de instrumentos destinados à eliminação e domínio de outros membros da mesma espécie. Será que, devido à ausência de predadores naturais, o ser humano se considera proprietário absoluto de todos os recursos do planeta, pensando que pode competir por eles apenas com outros seres humanos? Essa lógica de disputa transformou-o, de certa forma, no seu próprio predador. A única forma de a contrariar será reconhecer que não somos proprietários dos recursos naturais, mas apenas seus utilizadores temporários. Por mais poderosos, famosos ou abastados que sejamos, todos partilhamos o destino de um dia deixar este mundo, enquanto os recursos, embora transformados, permanecem no planeta.
Para solucionar os grandes desafios da humanidade, é essencial evoluir de uma mentalidade de domínio para uma de colaboração, priorizando o desenvolvimento de tecnologias civis que promovam o bem-estar comum. Contudo, se aceitarmos que a tendência para o conflito é intrínseca ao ser humano, será necessário encontrar um mediador capaz de reverter esta dinâmica. Como é improvável que tal mediador seja uma entidade extraterrestre, quem sabe se a opção mais viável não será o uso da IA, que, com uma abordagem ética e responsável, poderá ajudar a redirecionar os esforços humanos para soluções que beneficiem a sociedade em vez de alimentar a destruição.
A mudança necessária requer uma nova forma de pensar sobre o papel da tecnologia e do desenvolvimento, colocando a ênfase na sustentabilidade e no uso responsável dos recursos, em que a inovação tecnológica sirva para resolver problemas globais em vez de perpetuar conflitos.
A transição para uma sociedade mais sustentável passa, antes de tudo, pela revolução nas fontes de energia. As tecnologias de energia limpa e sustentável, como a fusão nuclear2, oferecem a promessa de uma fonte de energia praticamente ilimitada e sem os riscos associados às atuais centrais nucleares. Paralelamente, o avanço na capacidade de armazenamento de energia é fundamental para que as energias renováveis, como a solar e a eólica, possam ser utilizadas de forma mais eficiente. Além disso, o desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de carbono são também bastante promissoras no sentido de mitigarmos os danos já causados ao ambiente.
A agricultura vertical3 e a agricultura de precisão4 são exemplos de como podemos produzir alimentos de forma mais eficiente, reduzindo o uso de água e de terra, enquanto a melhoria nas tecnologias de dessalinização pode oferecer uma solução prática para a crescente escassez de água potável em muitas regiões do planeta. Os materiais sustentáveis e biodegradáveis, por outro lado, precisam de substituir os plásticos e os produtos não renováveis, ajudando a diminuir a poluição e o impacto ambiental.
Não podemos esquecer o papel fundamental da regeneração ambiental na recuperação de ecossistemas e na proteção da biodiversidade. A biotecnologia pode ser usada para desenvolver plantas mais resistentes que ajudem no reflorestamento e na recuperação de solos degradados. A regeneração dos recifes de coral, utilizando estruturas artificiais ou biotecnologia, é um exemplo do que pode ser feito para preservar os ecossistemas marinhos. Apesar dos riscos e dos desafios associados à geoengenharia, abordagens controladas e baseadas em evidências científicas podem ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e a proteger os ecossistemas naturais. Embora qualquer intromissão na natureza deva merecer muitas reservas e estudos prévios.
A automação e a IA desempenham um papel central nesse futuro, embora a sua implementação precise de ser feita de forma ética e responsável. A IA pode ser uma ferramenta poderosa para monitorizar o ambiente e prever desastres naturais, facilitando a resposta a eventos climáticos extremos e melhorando a gestão dos recursos naturais. Além disso, a automação pode substituir trabalhos perigosos ou monótonos, permitindo que os seres humanos se concentrem em tarefas mais criativas e de maior valor. Com o auxílio da IA, cada ser humano ganhará novas capacidades de aprendizagem, criatividade e produção. No entanto, o uso da IA não se deve limitar a aumentar a eficiência produtiva, pode também ser um meio para democratizar a governação, otimizando políticas públicas e processos de decisão coletiva, oferecendo uma voz a quem não a tem.
A revolução biotecnológica traz consigo a promessa de grandes avanços na medicina, com a criação de terapias genéticas e de rejuvenescimento que poderão aumentar a qualidade de vida e a longevidade dos indivíduos. Tecnologias como a impressão 3D de órgãos ou de cultivo de tecidos orgânicos abrem novas possibilidades para tratar doenças e salvar vidas. Entretanto, para que estes avanços sejam acessíveis a todos, será necessário garantir que os benefícios da biotecnologia sejam distribuídos de forma equitativa e que as barreiras económicas não limitem o acesso a essas inovações.
No domínio urbano, a transformação das cidades será essencial para lidar com a pressão populacional e os desafios ambientais. Em vez de concentrarmos recursos em megacidades, que nem sempre consideram o custo ecológico da construção, devemos olhar para a criação de comunidades descentralizadas, menores e conectadas à natureza. Estas comunidades podem ser projetadas para funcionar como unidades autossuficientes, integrando práticas como a agricultura urbana, a geração local de energia renovável e a gestão sustentável dos recursos hídricos. Mesmo em grandes metrópoles, as cidades podem ser organizadas como uma constelação de comunidades, em que as pessoas conhecem e interagem com os seus vizinhos, criando redes de apoio baseadas em valores partilhados.
Além da superfície terrestre, a exploração espacial surge como um campo promissor não só em termos de descoberta científica, mas também para o desenvolvimento de tecnologias que possam ser aplicadas aqui na Terra. A mineração de asteroides ou da Lua, por exemplo, pode aliviar a pressão sobre os recursos naturais do planeta, enquanto a exploração do espaço profundo pode levar ao desenvolvimento de tecnologias avançadas de propulsão e novos métodos de produção de energia. Além disso, a observação da Terra a partir do espaço pode aumentar a nossa compreensão sobre os efeitos das mudanças climáticas e a saúde dos ecossistemas, incentivando uma maior consciencialização sobre a necessidade de preservar o nosso único lar, sem danificar também outros ambientes extraterrestres.
Entretanto, as tecnologias emergentes não serão suficientes se não houver modelos de governo adequados e inclusivos. Precisamos de modelos de decisão que sejam transparentes, diretos e que integrem múltiplas perspetivas. O uso de blockchain5 para criar sistemas de votação seguros e plataformas de decisão coletiva apoiadas por Decentralised Information Asset (DIA)6 são exemplos de como a tecnologia pode ser utilizada para melhorar a governabilidade e aumentar a democraticidade das decisões. As tecnologias serão uma oportunidade de ouro para melhorarmos e evoluirmos para modelos de governação mais democráticos e inclusivos.
Para alcançar esse futuro, será fundamental generalizar a abordagem circular à economia, em que os resíduos são vistos como recursos e em que a reutilização e a reciclagem são maximizadas. Tecnologias que permitem a reciclagem molecular de plásticos7 e outros materiais podem reduzir o impacto ambiental, enquanto as plataformas de economia de partilha incentivam a utilização mais eficiente de bens e serviços. A transição para uma economia circular é um passo decisivo para reduzir a pressão sobre os recursos naturais e promover um modelo de desenvolvimento regenerativo.
A combinação da inovação tecnológica com modelos de governo inclusivo e com o respeito pela natureza pode transformar os desafios que enfrentamos em oportunidades para construir uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável. Devemos reconhecer que a ciência e a tecnologia, quando orientadas por um propósito edificador, ético e de sustentabilidade, podem ser as maiores aliadas da humanidade para garantir que prosperemos neste planeta, garantindo, ao mesmo tempo, que deixamos um legado positivo para as gerações futuras.
O progresso não deve ser visto como uma simples acumulação de riqueza ou de capacidades tecnológicas, mas como uma procura contínua por um equilíbrio entre as necessidades humanas e os limites do nosso planeta. O sucesso será medido não apenas pelo avanço material, mas pela nossa capacidade de coexistir com a natureza e de gerir os recursos de forma que permitam a regeneração e a sustentabilidade a longo prazo.
Tecnologias Futuras_ Equilíbrio e Sustentabilidade para a Humanidade
O futuro da humanidade depende de uma reorientação profunda das prioridades do desenvolvimento tecnológico, privilegiando soluções que promovam o equilíbrio ecológico, a regeneração dos recursos e a inclusão social. Este paradigma, sustentado por inovação ética e governação inclusiva, propõe um modelo em que o progresso seja medido pelo grau de equilíbr…
Na próxima semana vamos falar sobre o futuro da educação.
Este meu livro reúne todos os textos que vou publicando aqui no blog — e vários outros inéditos, que serão aqui divulgados ao longo dos próximos meses.
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Sipri – Stockholm International Peace Research Institute. https://www.sipri.org/media/press-release/2022/world-military-expenditure-passes-2-trillion-first-time
https://www.sipri.org/sites/default/files/2024-04/2404_fs_milex_2023.pdf.
Gallo, M. E., The Global Research and Development Landscape and Implications for the Department of Defense, Congressional Research Service, 2021. https://crsreports.congress.gov/product/pdf/R/R45403.
Processo em que dois núcleos leves, como os de hidrogénio, colidem e se fundem para formar um núcleo mais pesado, libertando enormes quantidades de energia. Este é o mecanismo que alimenta o Sol e tem o potencial de ser uma fonte limpa e quase ilimitada de energia para a humanidade.
Ver mais em: Stacey, W. M., (2010). Fusion: An Introduction to the Physics and Technology of Magnetic Confinement Fusion, Wiley, 2010; ITER Organization: www.iter.org.
Método de cultivo que utiliza estruturas verticais, como edifícios ou estantes, para produzir alimentos em ambientes controlados, otimizando o uso de espaço, água e energia. Este sistema permite a atividade agrícola em áreas urbanas e reduz a dependência de terrenos agrícolas tradicionais.
Ver mais em: Despommier, D., The Vertical Farm: Feeding the World in the 21st Century, Thomas Dunne Books, 2010; Al-Kodmany, K., «The Vertical Farm: A Review of Developments and Implications for the Vertical City», Buildings, vol. 8, n.o 2, 2018.
Sistema de gestão agrícola que utiliza tecnologias avançadas, como sensores, GPS e análise de dados, para monitorizar e otimizar o uso de recursos em tempo real, aumentando a eficiência, reduzindo desperdícios e melhorando a produtividade de forma sustentável.
Ver mais em: Zhang, Q., & Pierce, F. J., Precision Agriculture Technology for Crop Farming, CRC Press, 2013; Gebbers, R., & Adamchuk, V. I., «Precision Agriculture and Food Security», Science, vol. 327, n.o 5967, 2010, pp. 828-831.
Tecnologia descentralizada de armazenamento de dados em blocos encadeados, que são validados por consenso numa rede distribuída. Garante segurança, transparência e imutabilidade das transações, sendo amplamente utilizada em criptomoedas e contratos inteligentes (smart contracts).
Ver mais em: Nakamoto, S., Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System, 2008; Mougayar, W., The Business Blockchain: Promise, Practice, and Application of the Next Internet Technology, Wiley, 2016.
O DIA é um ecossistema descentralizado que fornece e valida dados confiáveis para aplicações baseadas em blockchain. Ele assegura que informações externas sejam integradas de forma transparente e resistente a manipulações, aumentando a confiabilidade de contratos inteligentes e outras ferramentas descentralizadas.
Ver mais em: Site oficial do DIA:diadata.org; Buterin, V., A Next-Generation Smart Contract and Decentralized Application Platform, 2014 (para uma visão geral sobre a importância de dados em blockchain).
Processo avançado de decomposição de plásticos em seus componentes moleculares ou monómeros originais, permitindo a criação de novos materiais com qualidade semelhante ao plástico virgem. Este método reduz o desperdício e aumenta a eficiência da reciclagem, promovendo uma economia circular.
Ver mais em: Rahimi, A., & García, J. M., «Chemical Recycling of Waste Plastics for New Materials Production, Nature Reviews Chemistry, vol. 1, n.o 0046, 2017; Geyer, R., «Production, Use, and Fate of All Plastics Ever Made», Science Advances, vol. 3, n.o 7, 2017.